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quinta-feira, 10 de junho de 2010

DESIGUALDADE E POBREZA NO BRASIL:

O Brasil, nas últimas décadas, vem confirmando, infelizmente, uma tendência de enorme desigualdade na distribuição de renda e elevados níveis de pobreza. Um país desigual, exposto ao desafio histórico de enfrentar uma herança de injustiça social que exclui parte significativa de sua população do acesso a condições mínimas de dignidade e cidadania. Como uma contribuição ao entendimento dessa realidade, este artigo procura descrever a situação atual e a evolução da magnitude e da natureza da pobreza e da desigualdade no Brasil, estabelecendo inter-relações causais entre essas dimensões.




Trata-se de um relato empírico e descritivo, que retrata a realidade da pobreza e da desigualdade. Nossa hipótese central, presente em estudos anteriores,1 é que, em primeiro lugar, o Brasil não é um país pobre, mas um país com muitos pobres. Em segundo lugar, acreditamos que os elevados níveis de pobreza que afligem a sociedade encontram seu principal determinante na estrutura da desigualdade brasileira — uma perversa desigualdade na distribuição da renda e das oportunidades de inclusão econômica e social.



Procuramos, ainda, demonstrar a viabilidade econômica do combate à pobreza e justificar a importância, no atual contexto econômico e institucional brasileiro, de estabelecer estratégias que não descartem a via do crescimento econômico mas que enfatizem, sobretudo, o papel de políticas redistributivas que enfrentem a desigualdade.



O trabalho está organizado em três partes. A primeira parte visa mensurar a pobreza no país, descrevendo sua evolução nas últimas duas décadas. A segunda parte procura estabelecer um diagnóstico genérico sobre os principais determinantes da pobreza, documentando em que medida o grau de pobreza observado no país deve-se à insuficiência agregada de recursos ou à má distribuição dos recursos existentes. Nesta parte, realizamos uma comparação internacional e uma análise da evolução dessas dimensões ao longo do período estudado. Em seguida, procuramos descrever a estrutura da distribuição de renda entre as famílias brasileiras. A terceira e última parte do artigo pretende retratar em que medida as modestas reduções no nível de pobreza observadas no período analisado resultam do crescimento econômico ou da redistribuição de renda. Em conclusão, e de acordo com o diagnóstico proposto ao longo do texto, destacamos a necessidade de as políticas públicas de combate à pobreza concederem prioridade à redução da desigualdade.







Pobreza no Brasil: afinal, qual o seu tamanho?



A evolução da pobreza e da indigência no Brasil entre 1977 e 1998 pode ser reconstruída a partir da análise das Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios (PNADs) realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Estas pesquisas domiciliares anuais2 permitem construir uma diversidade de indicadores sociais que retratam, entre outros, a evolução da estrutura da distribuição dos padrões de vida e da apropriação de renda dos indivíduos e das famílias brasileiras.3



A pobreza, evidentemente, não pode ser definida de forma única e universal. Contudo, podemos afirmar que se refere a situações de carência em que os indivíduos não conseguem manter um padrão mínimo de vida condizente com as referências socialmente estabelecidas em cada contexto histórico. Deste modo, a abordagem conceitual da pobreza absoluta requer que possamos, inicialmente, construir uma medida invariante no tempo das condições de vida dos indivíduos em uma sociedade. A noção de linha de pobreza equivale a esta medida. Em última instância, uma linha de pobreza pretende ser o parâmetro que permite a uma sociedade específica considerar como pobres todos aqueles indivíduos que se encontrem abaixo do seu valor.



Neste trabalho consideramos a pobreza na sua dimensão particular (evidentemente simplificadora) de insuficiência de renda, isto é, há pobreza apenas na medida em que existem famílias vivendo com renda familiar4 per capita inferior ao nível mínimo necessário para que possam satisfazer suas necessidades mais básicas.5 A magnitude da pobreza está diretamente relacionada ao número de pessoas vivendo em famílias com renda per capita abaixo da linha de pobreza e à distância entre a renda per capita de cada família pobre e a linha de pobreza.6



Os resultados das PNADs revelam que, em 1998, cerca de 14% da população brasileira vivia em famílias com renda inferior à linha de indigência e 33% em famílias com renda inferior à linha de pobreza. Deste modo, como vemos na Tabela 1, cerca de 21 milhões de brasileiros podem ser classificados como indigentes e 50 milhões como pobres.7

















Ao longo das últimas duas décadas, como observamos na tabela, a intensidade da pobreza manteve um comportamento de relativa estabilidade, com apenas duas pequenas contrações, concentradas nos momentos de implantação dos planos Cruzado e Real. Este comportamento estável, com a porcentagem de pobres oscilando entre 40% e 45% da população, apresenta flutuações associadas, sobretudo, à instável dinâmica macroeconômica do período. O grau de pobreza atingiu seus valores máximos durante a recessão do início dos anos 80, em 1983 e 1984, quando a porcentagem de pobres ultrapassou a barreira dos 50%. As maiores quedas resultaram, como dissemos, dos impactos dos planos Cruzado e Real, fazendo a porcentagem de pobres cair abaixo dos 30% e 35%, respectivamente.



Considerando o período como um todo, constatamos que a porcentagem de pobres declinou de cerca de 39% em 1977 para cerca de 33% em 1998. Este valor ao final da série histórica analisada, apesar de ainda ser extremamente alto, aparenta representar um novo patamar do nível de pobreza nacional. A intensidade da queda na magnitude da pobreza ocorrida entre 1993 e 1995 foi menor do que em 1986. No entanto, a queda de 1986 não gerou resultados sustentados, com o valor da pobreza retornando no ano seguinte ao patamar vigente antes do Plano Cruzado. Entre 1995 e 1998 a porcentagem de pobres permaneceu estável em torno do patamar de 34%, indicando a manutenção dos impactos do Plano Real.



Apesar da pequena queda observada no grau de pobreza, o número de pobres no Brasil, em decorrência do processo de crescimento populacional, aumentou em cerca de 10 milhões, passando de 40 milhões em 1977 para 50 milhões em 1998. A combinação entre as flutuações macroeconômicas e o crescimento populacional fez com que o número de pobres chegasse a quase 64 milhões na crise de 1984 e a menos de 38 milhões em 1986. No final dos anos 80 registra-se uma aceleração no contingente da população pobre e, no período recente, após a implantação do Plano Real, cerca de 10 milhões de brasileiros deixaram de ser pobres.



Os atuais 50 milhões de pessoas pobres, por sua vez, encontram-se heterogeneamente distribuídos abaixo da linha de pobreza e sua renda média encontra-se cerca de 55% abaixo do valor da linha de pobreza. Os 21 milhões de pessoas indigentes, que correspondem a um subconjunto da população pobre, estão igualmente distribuídos de forma heterogênea e encontram-se mais próximos de seu valor de referência, com sua renda média mantendo-se cerca de 60% abaixo da linha de indigência.



Portanto, a magnitude da pobreza, mensurada tanto em termos do volume e da porcentagem da população como do hiato de renda, apresenta, na segunda metade da década de 90, a tendência de manutenção de um novo patamar, inferior ao observado desde o final dos anos 70. Isto indica, sem dúvida alguma, uma melhoria aparentemente estável no padrão da pobreza, mas este valor continua moralmente inaceitável para a entrada do Brasil no próximo século.







Determinantes imediatos da pobreza: escassez de recursos e desigualdade na distribuição de recursos



A pobreza, como ressaltamos anteriormente, está sendo analisada neste artigo exclusivamente na dimensão de insuficiência de renda. Neste sentido, a pobreza responde a dois determinantes imediatos: a escassez agregada de recursos e a má distribuição dos recursos existentes. Esta parte do trabalho investiga essas relações causais, procurando avaliar os pesos relativos da escassez agregada de recursos e da sua distribuição na determinação da pobreza no Brasil.



Escassez de recursos



A importância da escassez de recursos na determinação da pobreza brasileira é avaliada, a seguir, a partir de três critérios: a comparação do Brasil com o resto do mundo, a análise da estrutura da renda média do país e, finalmente, o exame do padrão de consumo médio da família brasileira. Ao analisarmos, de forma exaustiva e a partir de diversos critérios, esse aspecto da determinação da pobreza, pretendemos demonstrar que a pobreza no Brasil não deve ser associada prioritariamente à escassez, absoluta ou relativa, de recursos. Assim, podemos confirmar a primeira parte de nosso diagnóstico: o Brasil, apesar de dispor de um enorme contigente de sua população abaixo da linha de pobreza, não pode ser considerado um país pobre e a origem dessa pobreza, não residindo na escassez de recursos, deve ser investigada em outra esfera.



Em primeiro lugar, contrastamos a renda per capita e o grau de pobreza no Brasil com os demais países do mundo. Esta comparação nos permite verificar se o grau de pobreza no Brasil é mais elevado do que o que se encontra em países com renda per capita similar. Podemos decompor o grau de pobreza em duas dimensões: (a) a baixa renda per capita brasileira e (b) o elevado grau de desigualdade na distribuição dos recursos existentes no Brasil. A primeira dimensão, dada pelo grau de pobreza médio dos países com nível de renda per capita similar à brasileira, está associada ao baixo valor da renda per capita em relação aos países mais ricos do mundo. A segunda dimensão resulta da diferença entre o grau de pobreza brasileiro e o dos demais países com renda similar à brasileira.



Em segundo lugar, comparamos a renda per capita brasileira com a linha de pobreza nacional. Na medida em que a renda média brasileira é significativamente superior à linha de pobreza, podemos associar a intensidade da pobreza à concentração de renda. Nesta seção definimos um exercício redistributivo que contempla tanto o cenário ideal (de execução impossível e não necessariamente desejável) de distribuição perfeitamente eqüitativa da renda, como o cenário de redução do grau de pobreza a partir da repartição progressiva dos recursos disponíveis. O principal objetivo desse exercício é demonstrar que uma divisão mais eqüitativa dos recursos pode ter um impacto relevante sobre a pobreza em um país que dispõe de uma renda per capita bastante superior à sua linha de pobreza.



Em terceiro lugar, descrevemos brevemente o padrão de consumo das famílias brasileiras com renda per capita em torno da média nacional. Na medida em que o padrão de consumo dessas famílias é satisfatório, obtemos uma demonstração adicional de que a pobreza no Brasil é sobretudo um problema relacionado à distribuição dos recursos e não à sua escassez.



O Brasil e o mundo: uma comparação da estrutura da pobreza



Analisar a estrutura da distribuição de renda mundial permite contextualizar a posição relativa do Brasil no cenário internacional. Observamos que cerca de 64% dos países do mundo têm renda per capita inferior à brasileira. Por outro lado, na medida em que alguns países com enorme população encontram-se abaixo do Brasil nesta estrutura da distribuição de renda, concluímos que cerca de 77% da população mundial vive em países com renda per capita inferior à do Brasil. Assim, essa distribuição da renda mundial, construída a partir do Relatório de desenvolvimento humano de 1999 e apresentada no Gráfico 1, nos revela que, apesar de o Brasil ser um país com muitos pobres, sua população não está entre as mais pobres do mundo. A comparação internacional quanto a renda per capita coloca o Brasil entre o terço mais rico dos países do mundo e, portanto, não nos permite considerá-lo um país pobre.

















Na medida em que se trata de uma análise comparativa, sabemos que a posição relativa razoável do Brasil pode ser atribuída à natureza concentradora da distribuição de renda mundial. Assim, comparado aos países industrializados o Brasil não é um país rico8 mas, comparado a outros países em desenvolvimento, estaria, a princípio, entre os que apresentam melhores condições de enfrentar a pobreza de sua população.



Mantendo a perspectiva de comparação internacional e explicitando as determinações econômicas da pobreza, vemos que, para explicar a posição relativa do Brasil, necessitamos considerar as determinações que decorrem, de modo alternativo, da escassez ou da distribuição de recursos no contexto mundial. Nestes termos, a pobreza no Brasil pode estar associada ao fato de os países do mundo, em seu conjunto, permanecerem relativamente pobres, significando que estar entre os mais ricos não impede a existência de uma severa escassez de recursos, ou, de modo alternativo, ao fato de o Brasil apresentar um elevado grau de desigualdade na distribuição dos recursos.



Para procurar esclarecer esta questão, definindo qual a capacidade explicativa das duas alternativas propostas, comparamos o grau de pobreza no Brasil com o observado nos demais países com renda per capita similar. Esta comparação revela, com extrema clareza, que o grau de pobreza no Brasil é significativamente superior à média dos países com renda per capita similar à nossa, sugerindo a relevância da má distribuição dos recursos para explicar a intensidade da pobreza nacional. O Gráfico 2 mostra que enquanto, no Brasil, a população pobre representa cerca de 30% da população total, nos países com renda per capita similar à brasileira este valor corresponde a menos de 10%.

















De fato, considerando a renda e o grau de pobreza reportados pelos países no Relatório de desenvolvimento humano, podemos definir uma norma internacional9 que imputaria um valor previsto de somente 8% de pobres para países com a renda per capita equivalente à brasileira. Assim, caso o grau de desigualdade de renda no Brasil correspondesse à desigualdade mundial média associada a cada nível de renda per capita, apenas 8% da população brasileira deveria ser pobre. Este valor seria, de modo consistente com a norma internacional, aquele que poderíamos associar estritamente à escassez agregada de recursos no país. Todo o restante da distância do Brasil em relação a esta norma — o valor nada desprezível de cerca de 22 pontos percentuais — deve-se, portanto, ao elevado grau de desigualdade na distribuição dos recursos nacionais.



Pobreza relativa e riqueza relativa: é possível enfrentar a pobreza no Brasil?



Definir o horizonte de enfrentamento da pobreza requer que explicitemos uma questão: pode a sociedade brasileira, com a dotação de recursos que possui, erradicar a pobreza? Esta questão crucial traz à tona o possível problema de enfrentarmos empiricamente uma realidade onde impera a pobreza para uma parte significativa da população, mas, além disso, os recursos disponíveis são insuficientes para retirar esta parcela da população de condições de vida identificadas como precárias. Assim, nossa questão diz respeito à condição da riqueza relativa do Brasil ante a possibilidade de erradicar sua pobreza endogenamente definida.



Podemos construir estimativas da evolução do Produto Interno Bruto (PIB) per capita e da renda familiar per capita como múltiplos das linhas de indigência e de pobreza, respectivamente. Estas estimativas, presentes na Tabela 2, revelam que a renda familiar per capita e o PIB per capita representam, hoje, valores cinco a oito vezes superiores à linha de indigência e três a quatro vezes superiores à linha de pobreza. Assim, confirmamos a hipótese de inexistência de escassez de recursos, na medida em que uma distribuição eqüitativa dos recursos nacionais disponíveis seria muito mais do que suficiente para eliminar toda pobreza.

















A distribuição perfeitamente eqüitativa dos recursos, produzindo uma sociedade de indivíduos idênticos no que se refere à renda, não necessariamente é justa, nem desejada. No entanto, podemos fazer um exercício de construção de um estado da natureza hipotético onde estimemos o volume de recursos necessários para erradicar a indigência e a pobreza. O exercício supõe que o poder público disporia da capacidade de identificar todos os indivíduos da população pobre e poderia transferir, com focalização perfeita e calibragem precisa entre as famílias, os recursos estritamente necessários para que todos esses indivíduos pobres obtivessem a renda equivalente ao valor da linha de pobreza. Assim, como reportado na Tabela 2, seria necessário transferir anualmente cerca de R$ 6 bilhões (2% da renda das famílias) para retirar da indigência o limite extremo da população pobre, ou, ainda, R$ 29 bilhões (7% da renda das famílias) para atingir uma meta social mais ambiciosa: retirar da pobreza toda a população excluída.



Este exercício, como dissemos, hipotético e ideal, não sucumbe à ingenuidade supondo que a efetiva implantação de um programa de combate à pobreza possa desconsiderar, entre outros, os custos de administração e os diversos problemas de focalização do programa. No entanto, acreditamos que ele é de grande importância, pois coloca em perspectiva o volume de recursos potencialmente necessários para um programa desse tipo. Tal exercício permite, em princípio, avaliar a factiblilidade de uma política pública de combate à pobreza. Assim, respeitando os parâmetros de nosso exercício, sabemos, por um lado, que a renda familiar per capita brasileira é mais do que suficiente para erradicar a pobreza no Brasil e, por outro, que transferências equivalentes a 2% da renda das famílias poderiam ser a base para acabar com a indigência que aflige 14% da população. Para erradicar toda a pobreza, este valor de base, sobre o qual, como alertamos, seria necessário adicionar os custos de administração e de focalização, corresponde a 8% da renda das famílias.



Além de identificar o valor e a viabilidade dos recursos que devem ser mobilizados para erradicar a pobreza, podemos simular a intensidade com que reduções no grau de desigualdade podem afetar o grau de pobreza. Uma simulação relevante, proposta no Gráfico 3, implica manter constante a renda média brasileira e reduzir o grau de concentração de renda de modo a eliminar o hiato de desigualdade existente entre a realidade brasileira e a de vários países latino-americanos. Assim, tomando como marco de referência o Uruguai — país com o menor grau de desigualdade entre os países latino-americanos, com coeficiente de Gini próximo a 0,40 — e reduzindo o grau de desigualdade brasileiro de modo a ficar idêntico ao uruguaio, teríamos que a porcentagem de pobres no Brasil seria reduzida em 20 pontos percentuais. A partir desse exercício, podemos sugerir que quase dois terços da pobreza no Brasil podem estar associados ao diferencial no grau de desigualdade da distribuição de renda existente entre o Brasil e o Uruguai. Este exercício estático e comparativo, mais uma vez, pretende tornar evidente o peso da estrutura da distribuição de renda brasileira na explicação da existência de um enorme contigente de pobres no país.

















O padrão de consumo da família brasileira



Esta seção apresenta uma breve descrição do padrão de consumo e das condições habitacionais das famílias brasileiras com renda per capita próxima à média nacional.10 A intenção, aqui, é propor mais um ângulo de entendimento da situação de escassez de recursos na sociedade, gerando um sinal adicional sobre a possibilidade de mobilização de recursos para a erradicação da indigência e da pobreza no país.



A Tabela 3 apresenta estimativas do padrão de consumo e das condições habitacionais das famílias brasileiras que auferem, mensalmente, uma renda domiciliar per capita média no valor de cerca de R$ 480. É importante destacar que essas estimativas baseiam-se na Pesquisa sobre Padrões de Vida (PPV) de 1996-1997, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apenas nas regiões Nordeste e Sudeste.

















Os resultados apresentados revelam que, de acordo com as informações disponíveis na PPV, a renda domiciliar per capita média corresponde a cerca de seis vezes o valor da linha de indigência e três vezes o da linha de pobreza. Constatamos ainda, ao desagregarmos a estrutura dos gastos per capita, que os gastos com alimentação representam cerca de 47% dos gastos totais e correspondem a quase quatro vezes a linha de indigência e duas vezes a linha de pobreza. No que se refere às condições habitacionais, vemos que a grande maioria dos domicílios localizados nas regiões Nordeste e Sudeste tem acesso a condições básicas de abastecimento de água e coleta de lixo. O indicador de esgotamento sanitário não é tão positivo, com apenas 85% dos domicílios dispondo de esgoto sanitário via rede coletora de esgoto.



Desigualdade de renda



A desigualdade, em particular a desigualdade de renda, é tão parte da história brasileira que adquire fórum de coisa natural. Além disso, como discutimos anteriormente, nosso extremo grau de desigualdade distributiva representa o principal determinante da pobreza. Nesta seção discutimos dois aspectos referentes ao grau de desigualdade de renda no Brasil que confirmam a força de nossos argumentos.



Em primeiro lugar, comparamos o grau de desigualdade de renda no Brasil com o observado em outros países. Nosso objetivo é comprovar que o grau de desigualdade na sociedade brasileira é dos mais elevados em todo o mundo e justificar, portanto, o fato algo inusitado de um país com renda per capita relativamente elevada manter, nos últimos 20 anos, cerca de 40% da sua população abaixo da linha de pobreza. Em segundo lugar, investigamos a evolução do grau de desigualdade de renda ao longo das últimas décadas, indicando que, apesar das diversas transformações e flutuações macroeconômicas ocorridas no período, a desigualdade exibiu uma estabilidade surpreendente.



A análise da desigualdade foi desenvolvida, principalmente, a partir da interpretação de quatro medidas tradicionais: (a) o coeficiente de Gini; (b) o índice de Theil; (c) a razão entre a renda média dos 10% mais ricos e a renda média dos 40% mais pobres e (d) a razão entre a renda média dos 20% mais ricos e a renda média dos 20% mais pobres. O coeficiente de Gini e o índice de Theil são dois indicadores consagrados e de uso difundido na literatura que revelam o grau da desigualdade de renda de uma realidade específica.11 As duas últimas medidas correspondem a distintas razões entre segmentos extremos da distribuição de renda, traduzindo, em termos econômicos, uma noção de (in)justiça social. Preservando este olhar econômico sobre o perfil distributivo, podemos supor, a princípio, que quanto maior for a distância entre o valor da renda média dos mais ricos e o valor da renda média dos mais pobres, menos justa deve ser considerada a sociedade.



O Brasil e o mundo: uma comparação da estrutura da desigualdade



A comparação internacional entre os coeficientes de Gini, presente no Gráfico 4, revela que apenas a África do Sul e Malawi têm um grau de desigualdade maior que o do Brasil. O coeficiente de Gini do Brasil, com valor próximo de 0,60, representa, no conjunto de 92 países com informações disponíveis, um padrão alcançado apenas pelos quatro países com maior grau de desigualdade: Guatemala, Brasil, África do Sul e Malawi. Na realidade, 40 dos 92 países dispõem de um coeficiente de Gini no intervalo entre 0,30 e 0,40, sendo que a maioria dos países sul-americanos apresenta valores mais elevados, no intervalo entre 0,45 e 0,60.



O Gráfico 5 apresenta a razão entre a renda média dos 10% mais ricos e a renda média dos 40% mais pobres para cerca de 50 países. Devemos lembrar que quanto menor for a razão entre essas rendas médias, mais eqüânime será a estrutura distributiva, com os mais ricos retendo uma renda média de valor relativamente próximo à dos mais pobres. Esta medida da estrutura de concentração da renda revela, para a grande maioria dos países, uma razão com valor inferior a 10, sendo que somente em seis países essa razão é superior a 20. De fato, podemos identificar um certo padrão na distribuição internacional, com alguns países, como os Estados Unidos, gravitando em torno do valor 5, outros, como a Argentina, em torno de 10 e, finalmente, alguns, como a Colômbia, em torno do valor 15. O Brasil, por sua vez, é o país com o maior grau de desigualdade dentre os que dispomos de informações, com a renda média dos 10% mais ricos representando 28 vezes a renda média dos 40% mais pobres. Um valor que coloca o Brasil como um país distante de qualquer padrão reconhecível, no cenário internacional, como razoável em termos de justiça distributiva.



O Gráfico 6 apresenta a razão entre a renda média dos 20% mais ricos e os 20% mais pobres para cerca de 45 países, confirmando o diagnóstico do indicador anterior. Na grande maioria dos países essa razão é inferior a 10 e em apenas cinco países essa razão é superior a 20. O Brasil, novamente, é o país com o maior grau de desigualdade segundo as informações presentes no Relatório de desenvolvimento humano de 1999, o único dos países analisados em que a razão entre a renda média dos 20% mais ricos da população e a renda média dos 20% mais pobres supera o dilatado valor de 30.



Os valores contundentes reportados nesta seção não deixam dúvidas quanto à posição singular do Brasil, com o seu grau de desigualdade figurando entre os mais elevados do mundo. Desta constatação podemos derivar, com grande segurança, que o extraordinário grau de desigualdade de renda brasileiro encontra-se no núcleo da explicação do fato de o grau de pobreza no Brasil ser significativamente mais elevado que o de outros países com renda per capita similar.



Evolução da desigualdade: a decepção de uma regularidade



A análise da evolução da desigualdade de renda no Brasil ao longo das duas últimas décadas é desenvolvida a partir das mesmas medidas de desigualdade descritas anteriormente. Todos indicadores selecionados, conforme observamos nas Tabelas 4 e 5, revelam um elevado grau de desigualdade, sem qualquer tendência ao declínio. O grau de desigualdade observado em 1998 é bastante similar ao do início da série, no final da década de 70.































Ao longo do período, o grau de desigualdade é surpreendentemente estável, exceto por uma importante flutuação ascendente ao final da década de 80. Entre 1986 e 1989 o grau de desigualdade apresenta crescimento acelerado, atingindo níveis extremos no auge da instabilidade macroeconômica de 1989: o coeficiente de Gini chega a 0,64 e o coeficiente de Theil a cerca de 0,91; os 10% mais ricos recebem uma renda média cerca de 30 vezes superior à dos 40% mais pobres e a razão entre a renda média dos 20% mais ricos e a renda média dos 20% mais pobres alcança o valor de 35 vezes.



Analisando a década de 90, vemos, na Tabela 4, que o maior declínio no grau de desigualdade, apesar de pouco relevante, encontra-se na entrada da década, entre os anos de 1989 e 1992. Em particular, no que se refere ao Plano Real, não dispomos de evidência alguma de que tenha produzido qualquer impacto significativo sobre a redução no grau de desigualdade, apesar de a pobreza ter sofrido uma redução importante, conforme descrito anteriormente. De fato, o grau de desigualdade nos anos posteriores à implantação do Plano Real é estável e similar ao valor observado em 1993, mas sempre superior ao valor de 1992. Em virtude desse crescimento no grau de desigualdade entre os anos de 1992 e 1993 e da manutenção desse novo patamar, constatamos que o grau de desigualdade em 1998 é dos mais elevados nas últimas décadas, sendo apenas inferior aos valores observados no final dos anos 70 (1977-1978) e 80 (1988-1990).



A análise atenta do período 1977-1998 revela, de forma contundente, que muito mais importante do que as pequenas flutuações observadas na desigualdade é a inacreditável estabilidade da intensa desigualdade de renda que acompanha a sociedade brasileira ao longo de todos esses anos.



A perversa estrutura de distribuição de renda no Brasil pode ser traduzida em números nada frios e plenos de significado. O clássico coeficiente de Gini, por exemplo, a despeito de pequenos soluços, mantém-se impassível no incômodo patamar de 0,60. As duas décadas analisadas desvelam um cenário de concentração da renda onde os indivíduos que correspondem à parcela dos 20% mais ricos da população se apropriam de uma renda média entre 24 e 35 vezes superior à dos 20% mais pobres; os 10% mais ricos, por sua vez, dispõem de uma renda que oscila entre 22 e 31 vezes acima do valor da renda obtida pelos 40% mais pobres da população brasileira. A magnitude despropositada desses valores fica ainda mais evidente se nos recordarmos dos valores correspondentes a inúmeros países da comunidade internacional, descritos na seção anterior.



Reconhecendo, novamente, a relevância conceitual da relação entre as rendas auferidas pelos segmentos extremos de uma sociedade como um parâmetro econômico de justiça social, não podemos deixar de ficar perturbados e atônitos com os valores reportados. Como último destaque, descrito na Tabela 5, vemos que os indivíduos que se encontram entre os 10% mais ricos da população se apropriam de cerca de 50% do total da renda das famílias. No outro extremo, os 50% mais pobres da população detêm, ao longo de todo período analisado, pouco mais de 10% da renda. Vemos ainda que o grupo dos 20% mais pobres se apropria, em conjunto, somente de cerca de 2% do total da renda. Por fim, o seleto grupo composto pelos 1% mais ricos da sociedade concentram uma parcela da renda superior à apropriada pelos 50% mais pobres. Resumindo, vivemos uma perversa simetria social, em que os 10% mais ricos se apropriam de 50% do total da renda das famílias e, como por espelhamento, os 50% mais pobres possuem cerca de 10% da renda. Além disso, 1% da população, o 1% mais rico, detém uma parcela da renda superior à apropriada por metade de toda a população brasileira.



Enfim, do ponto de vista do exercício empírico e descritivo deste artigo, cremos que palavras não são mais necessárias. Talvez, uma última ilustração visual, gráfica e contundente, que nas linhas do Gráfico 7 desenha a injusta realidade com os valores da inaceitável estabilidade da desigualdade de renda no Brasil.

















Crescimento e eqüidade: desafios do desenvolvimento social



A estratégia de redução da pobreza solicita o crescimento da renda per capita ou a distribuição mais igualitária da renda. Uma combinação de políticas que estimulem o crescimento econômico e diminuam a desigualdade, a princípio, aparenta conceder maior eficácia e velocidade ao processo de combate à pobreza. Partindo dessa reflexão, a última parte do artigo estrutura-se em dois blocos.



Inicialmente, procura identificar, a partir da simulação de impactos da redução no grau de desigualdade ou da aceleração no crescimento econômico, quais as possibilidades de integração entre essas alternativas, tornando evidente a importância do redesenho de estratégias de enfrentamento da pobreza. Em seguida, pretende avaliar como, na experiência concreta das últimas décadas, o Brasil tem combinado esses dois caminhos alternativos para o combate à pobreza. De forma consistente com o nosso diagnóstico sobre as causas da pobreza no país, pretendemos ressaltar o potencial inexplorado de políticas geradoras de eqüidade no combate à pobreza brasileira.12



Para pensarmos o horizonte potencial da combinação entre políticas de crescimento econômico e políticas de redução da desigualdade, podemos estimar como o grau de pobreza responderia, alternativamente, ao crescimento e a variações no grau de desigualdade da renda. O Gráfico 8 apresenta os impactos potenciais sobre a proporção de pobres, simulando, por um lado, políticas que sustentem taxas médias decenais estáveis de crescimento econômico e, por outro, políticas que viabilizem a convergência do grau de desigualdade brasileiro para os valores de alguns países latino-americanos selecionados.13

















Deste gráfico podemos extrair duas conclusões básicas. Em primeiro lugar, ele confirma a sensibilidade da pobreza ao comportamento da desigualdade de renda. Mesmo considerando os valores relativamente elevados da desigualdade nos países da América Latina, vemos, por exemplo, que a implementação de políticas que alterassem a desigualdade no Brasil para o perfil da desigualdade no México, sob a condição de inexistência de crescimento econômico, implicaria uma redução na proporção de pobres de cerca de 34% para 25%.14 A definição de uma meta social mais ambiciosa, que reconhecesse o perfil da desigualdade da Costa Rica como o padrão a ser atingido, implicaria o esforço equivalente a reduzir o coeficiente de Gini de 0,60 para 0,46 e produziria uma queda de 12,5 pontos percentuais na pobreza brasileira.



Em segundo lugar, o gráfico nos permite perceber que os níveis de pobreza são mais sensíveis a alterações no grau de desigualdade do que a alterações no crescimento econômico. Tendo como referência as variações na magnitude da pobreza assinaladas no parágrafo anterior, vemos que o esforço de uma década de crescimento econômico à taxa de 2,75% ao ano, com nenhuma alteração da estrutura distributiva da renda per capita, produziria o mesmo impacto sobre a redução da pobreza que a eliminação do diferencial de desigualdade entre o Brasil e o México. Para obtermos um impacto sobre a pobreza equivalente ao gerado pela redução do diferencial da desigualdade entre o Brasil e a Costa Rica seria necessário uma elevação na renda per capita de cerca de 50%, o que solicitaria um processo contínuo de crescimento da renda per capita à taxa anual de 4% durante dez anos consecutivos.



O crescimento econômico, evidentemente, representa uma via importante, apesar de lenta, para combater a pobreza. Um crescimento de 3% ao ano na renda per capita, por exemplo, tende a reduzir a pobreza em aproximadamente um ponto percentual a cada dois anos. Ou ainda, um crescimento contínuo e sustentado de 3% ao ano na renda per capita levaria, no Brasil, mais de 25 anos para reduzir a proporção de pobres abaixo de 15%. Assim, embora conduza a uma redução da pobreza, a via do crescimento econômico necessita um longo período de tempo para produzir uma transformação relevante na magnitude da pobreza.



A realidade atual da sociedade brasileira nos permite considerar, portanto, que a pobreza reage com maior sensibilidade aos esforços de aumento da eqüidade do que aos de aumento do crescimento. A alternativa, aparentemente difundida entre vários especialistas, do modelo culinário do "crescer o bolo para depois distribuir" ou, então, a sua versão mais refinada do "crescer, crescer e crescer" como via única de combate à pobreza, parece sucumbir à inércia do pensamento e deve, no mínimo, ser relativizada. Talvez a sociedade brasileira possa ousar com responsabilidade, definindo a busca de maior eqüidade social como elemento central de uma estratégia de combate à pobreza.



Nesta última seção do trabalho necessitamos, por fim, investigar a experiência brasileira recente de redução na magnitude da pobreza. Ao longo das duas últimas décadas, esta experiência de redução da pobreza encontra-se associada, sobretudo, aos efeitos do crescimento econômico, relegando-se a um plano secundário as alternativas de combate à desigualdade. Podemos demonstrar a dominância desse processo analisando o comportamento da renda familiar brasileira entre 1977 e 1997 e estimando os fatores determinantes das reduções nos níveis de pobreza ao longo do período.



Como vimos anteriormente, as reduções no grau de pobreza observadas nesse período são de dimensão modesta, mas, mesmo diante dessa pequena magnitude, podemos decompor as causalidades atribuíveis ao crescimento e à eqüidade. Nosso ponto de referência será o ano de 1997, na medida em que, nas duas décadas analisadas, este ano encontra-se entre os de maior renda familiar per capita e os de menor grau de desigualdade. Como decorrência disso, evidenciamos que o grau de pobreza em 1997 foi o menor relativamente aos demais anos do período, com exceção de 1986.



Para verificarmos em que medida a queda na pobreza ocorrida ao longo dos últimos 20 anos deriva de reduções no grau de desigualdade ou do crescimento econômico, apresentamos, no Gráfico 9, a decomposição da queda na pobreza em relação ao ano de 1997. Esta decomposição, construída para cada ano individuamente, é realizada em duas etapas. Em primeiro lugar, identifica a diferença observada entre o nível de pobreza efetivo de cada ano e o nível de pobreza do nosso ano de referência, o ano de 1997. Em segundo lugar, simula um exercício contrafactual que dimensiona, em termos potenciais, a contribuição da redução na desigualdade para explicar a referida diferença entre os níveis de pobreza observados em 1997 e em cada um dos anos da série.

















Assim, a estimativa da contribuição da redução na desigualdade para a queda no grau de pobreza entre um ano específico e o ano de 1997 decorre de uma simulação contrafactual que procura identificar qual teria sido a queda na pobreza caso somente a desigualdade variasse e a renda familiar per capita fosse mantida constante. A contribuição do crescimento econômico, por sua vez, é obtida por resíduo. Deste modo, a seqüência do exercício contrafactual é fundamental, na medida em que a estimativa da contribuição do crescimento econômico para a redução da pobreza é obtida a partir da mensuração da diferença entre o total da queda na pobreza efetivamente observado e a parcela atribuída, por simulação, ao impacto da redução na desigualdade.



O Gráfico 9 apresenta, de forma consolidada, o conjunto dessas simulações realizadas ano a ano. Seguindo a metodologia descrita, isolamos, para cada ano da série ilustrado no gráfico, o quanto da diferença entres os níveis de pobreza observados em cada ano e o ano de referência de 1997 resulta de reduções na desigualdade ou do crescimento da economia.15 Esta evidência empírica demonstra, ex post, uma regularidade surpreendente nos mecanismos de redução da pobreza: as quedas observadas na magnitude da pobreza em todos os anos posteriores a 1977 resultam, primordialmente, do crescimento econômico. O papel da redistribuição de renda é bastante limitado durante todo o período, com exceção do final da década de 80, em particular no ajuste posterior a 1989, quando vigorava o maior grau de desigualdade das duas décadas.



Se nos concentramos, em particular, no período recente, vemos que o crescimento econômico responde por 84% da queda na pobreza observada entre 1993 e 1995, ou seja, o impacto sobre a pobreza decorrente do Plano Real, apesar do inegável êxito do programa de estabilização monetária, não é tributário de mecanismos redutores da desigualdade de renda entre as famílias brasileiras.



Devemos concluir, com algum incômodo, que apesar da evidente importância da redistribuição de renda para o combate à pobreza no Brasil, os únicos mecanismos utilizados para reduzir a pobreza, além de extremamente limitados quanto ao seu impacto, resultam, de modo sistemático, do crescimento econômico. Acreditamos que essa estratégia, no limite uma "não-estratégia", é responsável, em grande medida, pela ineficácia no combate à pobreza ao longo das últimas décadas no país.







Conclusão



Este artigo procurou, por um lado, desenvolver uma descrição empírica exaustiva da estrutura da pobreza e da desigualdade no Brasil e, por outro, sugerir os marcos referenciais para a construção de estratégias consistentes de combate à desigualdade e à pobreza. Em vários momentos apresentamos exercícios de natureza eminentemente estática para perseguir, de forma minuciosa, variados ângulos que pudessem contribuir no esclarecimento de nosso diagnóstico. Esperamos ter alertado, ao longo de todo o trabalho, para as limitações, além das vantagens, desses exercícios.



O diagnóstico básico referente à estrutura da pobreza é o de que o Brasil, no limiar do século XXI, não é um país pobre, mas um país extremamente injusto e desigual, com muitos pobres. A desigualdade encontra-se na origem da pobreza e combatê-la torna-se um imperativo. Imperativo de um projeto de sociedade que deve enfrentar o desafio de combinar democracia com eficiência econômica e justiça social. Desafio clássico da era moderna, mas que toma contornos de urgência no Brasil contemporâneo.



Na elaboração deste trabalho evidentemente reconhecemos, mas não discutimos, os condicionantes políticos e institucionais básicos para o estabelecimento de um novo pacto social que contemple a prioridade de uma estratégia de redução da desigualdade. Também não nos propomos a discutir o desenho e os limites de uma política redistributiva que integre programas estruturais, redefinindo o controle e a distribuição dos capitais físico, humano e da terra, com programas compensatórios de redistribuição de renda.16



Esperamos ter demonstrado não só que o Brasil não é um país pobre, mas também que apresenta farta disponibilidade de recursos para combater a pobreza. Enfim, a sociedade brasileira não enfrenta problemas de escassez, absoluta ou relativa, de recursos para erradicar o seu atual nível de pobreza.



Além disso, procuramos construir, exaustivamente, diversos prismas de entendimento da desigualdade econômica brasileira, colocando-a no eixo da causalidade que explica o elevado grau de pobreza. Desigualdade que surpreende tanto por sua intensidade como, sobretudo, por sua estabilidade. Desigualdade extrema que se mantém inerte, resistindo às mudanças estruturais e conjunturais das últimas décadas. Desigualdade que atravessou impassível o regime militar, governos democraticamente eleitos e incontáveis laboratórios de política econômica, além de diversas crises políticas, econômicas e internacionais.



É imperativo reduzir a desigualdade tanto por razões morais, como por motivações relativas à implementação de políticas eficazes para erradicar a pobreza. A tradição brasileira, contudo, tem reforçado a via única do crescimento econômico, sem gerar, como vimos, resultados satisfatórios no que diz respeito à redução da pobreza. É óbvio que reconhecemos a importância crucial de estimular políticas de crescimento para alimentar a dinâmica econômica e social do país. No entanto, para erradicar a pobreza no Brasil é necessário definir uma estratégia que confira prioridade à redução da desigualdade.

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